Dori Carvalho: Corações milenares



das tantas vezes 
que nos encontramos 
ainda recordo
estávamos aos beijos 
na arena romana 
enquanto os leões 
trucidavam os cristãos

fazíamos amor 
nos porões fenícios 
enquanto eles guerreavam

tu nunca foste 
bailarina egípcia 
nem eu faraó 
éramos servos

enquanto tu curavas feridas 
eu fazia pobres versos

na santa inquisição 
não éramos da resistência  
nem nazistas, fugíamos das bombas 
para amar em algum paiol

tantos encontros 
tantos lugares 
e sempre um mistério

no império inca 
no império austro-húngaro 
não éramos vítimas 
nem réus sanguinários 
passávamos ao largo 
polindo desejos e ornamentos 
entre beijos e armaduras

nem vimos a guerra de tróia  
tão alucinados estávamos de sonhos

e sempre um mistério

uma vez sim, fomos deuses 
dionísio e diana 
numa noite de carnaval 
no início do século 
no mais 
sempre fomos plebeus 
eu sempre arteiro 
tu sempre curativa

e sempre um mistério

nos cortava 
nos partia 
nos separava 
um corte em nossas carnes 
uma partida inesperada 
uma separação de corpos

sempre um mistério 
e estranhas cicatrizes 
sempre o grande amor 
e eternas guerras internas

no final do século vinte 
eu era só um menino 
tu eras só uma menina 
perdidos e apaixonados.


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